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Sinhô, o rei do samba

01/01/2016 - Carlos Sandroni

Versão original em português do verbete de Carlos Sandroni, "Sinhô (José Barbosa da Silva)", in: Dictionary of Caribbean and Afro-Latin American Biography, organizado por Franklin W. Knight e Henry Louis Gates Jr., New York: Oxford University Press, 2016. Verbete em inglês nos links abaixo (acesso restrito):

DCALABhttps://www.oxfordreference.com/view/10.1093/acref/9780199935796.001.0001/acref-9780199935796-e-1981?rskey=UDo4AT&result=1983 

OAASC (Oxford African American Studies Center)https://doi.org/10.1093/acref/9780195301731.013.75133

O autor agradece aos editores do Dictionary of Caribbean and Afro-Latin American Biography pela autorização para publicar aqui a versão em português deste verbete.

Sinhô, apelido de José Barbosa da Silva, nasceu em 8 de setembro de 1888 num bairro próximo ao centro do Rio de Janeiro, menos de quatro meses depois da Abolição da Escravatura no Brasil. Seu pai era Ernesto Barbosa da Silva, pintor e decorador de paredes, e sua mãe, Graciliana Silva. “Sinhô”, forma popular para “Senhor”, é um apelido comum, que recebeu da família quando ainda criança, e pelo qual foi conhecido ao longo da vida.

A família de Sinhô gostava de música. Seu pai estimulou-o desde cedo a aprender flauta, instrumento que depois abandonou. Um seu avô, não se sabe se paterno ou materno, possuía um piano, instrumento no qual Sinhô veio a se notabilizar, tocando de ouvido. Com um de seus irmãos, aprendeu depois violão, também de ouvido. Só aprendeu rudimentos de leitura musical depois de adulto.

As primeiras atividades musicais de Sinhô estão ligadas ao carnaval. No início do século XX esta festa popular era, no Rio de Janeiro – embora muito diferente do que a conhecemos hoje – já um evento festivo imensamente popular. O carnaval se organizava em torno de grupos, chamados, em ordem crescente de recursos econômicos, de “cordões”, “blocos”, “ranchos” e “clubes”. Muitas destas associações possuíam sedes sociais, onde ao longo do ano organizavam festas e bailes. Sinhô aparece como pianista destes eventos dançantes, desde 1912 pelo menos, em anúncios na imprensa. Algumas associações carnavalescas onde atuou são a Sociedade Dançante Carnavalesca Flor do Abacate e o rancho Ameno Resedá, no bairro do Catete; e a Sociedade Dançante Kananga do Japão, e os Fidalgos da Cidade Nova, na Praça Onze. 

No carnaval de 1917, foi lançado o primeiro samba de grande sucesso popular, marco decisivo na história do gênero, “Pelo telefone”.  Embora a autoria oficial da composição seja atribuída a Ernesto dos Santos (o “Donga”, 1890-1974) e Mauro de Almeida (1882-1956), Sinhô reivindicou participação na sua criação, assim como o fizeram outros pioneiros da música popular, reunidos em torno da famosa Tia Ciata (Hilária Batista de Almeida, 1854-1924).

É a partir de então que Sinhô começa a se tornar conhecido como autor de canções populares de sucesso. Em 1918 lança, na sede de uma das mais importantes associações carnavalescas da cidade (o Clube dos Fenianos), o samba Quem são eles. O samba faz grande sucesso, tendo sido editado em partitura para piano e gravada em disco pelo cantor Bahiano, o mesmo que no ano anterior lançara a gravação de “Pelo telefone”. No carnaval de 1919, faz sucesso com dois sambas: “Confessa meu bem” (oferecida desta vez ao Clube dos Democráticos, outra das grandes associações carnavalescas da época), e “Papagaio louro”. Em 1920, o jornal O País, em sua edição do sábado de carnaval,  refere-se a ele como “já consagrado com toda a justiça como o rei dos sambistas cariocas”. Ao longo dos anos 1920 a alcunha de “Rei do Samba” será inúmeras vezes atribuída a Sinhô.

Além do carnaval, outro importante espaço de consagração musical no Rio de Janeiro no início do século XX era o teatro do gênero cômico dito “de revista”. No início de 1920 acontece a primeira colaboração de Sinhô neste campo, em um espetáculo intitulado simplesmente Revista carnavalesca. Suas músicas foram incluídas ao lado das de outros compositores de música carnavalesca em voga na época, como Eduardo Souto (1882-1942), “Careca” (Luís Nunes Sampaio, 1886-1953) e “Caninha” (José Luís de Moraes, 1883-1961). Em outubro do mesmo ano, estreava a revista Quem é bom já nasce feito, cujo título era o de uma de suas composições, que seria sucesso no carnaval seguinte. Em 1921 é apresentada a revista Vou me benzê, apenas com músicas suas.

Ao longo dos anos 1920 as colaborações de Sinhô com o teatro continuaram. Como muitos outros compositores da época, tornou-se sócio da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT). Em 1927, revista Ora vejam só! usava o título de sua composição de mesmo nome, sucesso no carnaval daquele ano. No ano seguinte, os anúncios na imprensa da revista Eu quero é nota davam destaque ao samba “De que vale a nota sem o carinho da mulher”, de sua autoria, gravada por Mário Reis (talvez seu melhor intérprete contemporâneo em disco).

 

Alguns dos sucessos mais duradouros de Sinhô, cantados até hoje, datam do final dos anos 1920. Gosto que me enrosco, editada em 1928 pela Casa Carlos Wehrs, foi gravada no mesmo ano por Mário Reis. Regravada, entre outros, por Nara Leão nos anos 1960, e por Zeca Pagodinho em 2012, serviu de tema ao samba-enredo que deu o vice-campeonato à escola de samba Portela no carnaval de 1995. A composição mais lembrada de Sinhô, com inúmeras regravações, é Jura, também de 1928. Foi lançada na revista Microlândia por Aracy Cortes, e gravada em disco por ela e também por Mário Reis.

Um dos primeiros compositores de sambas a se profissionalizar como tal, Sinhô envolveu-se em diversas polêmicas envolvendo direitos autorais. Muitas vezes se atribuiu a ele a frase “samba é como passarinho, é de quem pegar”, sugerindo que se servia sem constrangimentos de produções musicais alheias. O importante sambista Heitor dos Prazeres (1898-1966) reivindicou, com sucesso, a autoria de partes de sambas assinados por Sinhô, os já mencionados “Ora vejam só!” e “Gosto que me enrosco”. Mas Sinhô também lutou com afinco para preservar seus direitos de autor contra investidas alheias. Já em 1918 recorreu à Justiça para mandar apreender as partituras do samba “Ela lá e eu aqui”, acusada de plágio  do seu “Quem são eles?” Em 1922, abriu um inquérito na SBAT contra o importante conjunto musical “Os Oito Batutas”, por questões ligadas a direitos autorais.

Sinhô foi o mais importante compositor da primeira fase do samba carioca. Junto com Caninha, Donga, João da Baiana (João Machado Guedes, 1887-1974), Pixinguinha (Alfredo da Rocha Vianna Jr., 1897-1973) e poucos mais, ele fixou as características do estilo de samba vigente em gravações realizadas até o início dos anos 1930. Em seus últimos anos, testemunhou o início da ascensão de outro estilo de samba, desenvolvido em torno do bloco carnavalesco “Deixa falar”, do bairro do Estácio de Sá, e logo  adotado pelas novas associações carnavalescas que neste inspiraram, as “escolas de samba”. Esta mudança estilística do samba levou a posteridade imediata a atribuir aos de Sinhô influências de gêneros anteriores, como o maxixe principalmente.

Sinhô faleceu em 4 de agosto de 1930, aos 41 anos, de tuberculose. Durante seu curto período de atividade como compositor profissional (1918-1930), ele deu contribuição decisiva para o estabelecimento do samba como gênero predominante no Rio de Janeiro, capital do país, e a consequente adoção do samba como gênero nacional.

Bibliografia

Alencar, Edigar de. Nosso Sinhô do Samba. Rio de Janeiro: Funarte, 1981 [Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968].

Cunha, Maria Clementina Pereira. "De sambas e passarinhos: as claves do tempo nas canções de Sinhô." Sidney Chaloub et al. (org.) História em cousas miúdas: capítulos de história social da crônica no Brasil. Campinas: Unicamp, 2005, p. 547 a 587.

Gardel, André. O encontro de Bandeira e Sinhô. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 1996.

Sandroni, Carlos. Feitiço decente: transformações do samba no Rio de Janeiro, 1917-1933. Rio de Janeiro: Zahar, 2012 [2001].