Thiago de Paula Rocha
Este texto sintetiza o que títulos de músicas clássicas dizem das músicas a que dão nome. Simplifica um primeiro entendimento ou busca desse repertório e facilita a escrita e a compreensão desses títulos em programas de concerto, encartes, partituras, aplicativos, internet etc.
Como consequência de ser uma tradição milenar e produto de incontáveis autores e contextos, a música clássica tem consideráveis variações de estrutura dos títulos – que não seguem uma regra única; mas, contudo, seguem hábitos. Este texto é sobre isso.
A maior parte dos casos pode ser entendida pelas estruturas que se seguirão pelos subtítulos abaixo. A distinção mais radical é aquela entre títulos chamados de “específicos” (mesmo se evocativos – como Floresta Amazônica, Sagração da Primavera ou Ritos de Perpassagem – são assim chamados) e “genéricos” – como Sinfonia número 9 (também referida como Nona Sinfonia). São estes últimos, os títulos genéricos, que precisam de mais atenção. Parece complicado, mas só parece.
Após esta leitura, você será capaz de entender títulos como Quarteto de Cordas número 53 em Ré Maior, “A cotovia”, opus 64, número 5, sem deixar de apreciar títulos mais singelos, como O mar e Sonatinha.
São muitos os jeitos de compor música, alguns dos quais são classificados como um tipo. O tipo ou jeito sonata, sinfonia, minueto, ópera, prelúdio, fuga, rondó etc. (Explicações sucintas deles podem ser encontradas na Wikipédia; e, específicas, em livros de História da Música e nos de Charles Rosen citados ao fim do texto.)
Quando compositores explicitam o jeito como compuseram, é comum que usem o nome desse tal jeito como o título genérico da música. É seguro afirmar que encontramos mais semelhanças entre as músicas chamadas pelo mesmo tipo do que entre outras: uma sonata vai se parecer mais a outra sonata do que a um prelúdio.
Chamar uma música de sonata é colocá-la em comparação franca com as de mesmo tipo. Quando Alban Berg chamou a primeira de suas composições de Sonata, ele contava que ela seria escutada – e julgada – na tradição das sonatas.
Em muitos casos, o nome genérico da música é o instrumental dela. Composições para quartetos de cordas muitas vezes são chamadas genericamente de Quarteto de Cordas. Existe também Quinteto de Madeiras, Duo de Clarinete e Piano, Quinteto de Piano e Cordas etc.
A maior parte do repertório chamado de tonal começa com uma tonalidade definida ou definível. Muito sinteticamente, a tonalidade de uma música é para onde ela pende, harmônica e melodicamente. Há tonalidades chamadas de “maiores” e “menores”. Ainda que poucos sejam os que ouvem uma nota com seu respectivo nome atado a ela (o que é conhecido por ouvido absoluto), dizer a tonalidade ajuda a diferenciar músicas de mesmo tipo.
O famoso Prelúdio, de Bach, que acompanha a famosa Ave Maria, de Gounod, é em Dó Maior. Por si só, a informação “dó maior” o distingue dos vinte e três prelúdios do mesmo livro de partituras, que são nas outras tonalidades. Temos, pois, o Prelúdio em Dó Maior.
Porém, Bach tem outros prelúdios em dó maior. Para distinguir este dos demais, outras categorias de informação são necessárias.
Algumas músicas pertencem a álbuns ou livros de partituras, como é o caso do citado Prelúdio em Dó Maior, que é de O cravo bem temperado.
Álbum para a Juventude, de Robert Schumann, Children’s Songs, de Chick Corea, e O livro de Anna Magdalena Bach, do J. S. Bach, são alguns dos casos semelhantes.
Alguns compositores escreveram muitas músicas de um mesmo tipo (Beethoven escreveu trinta e duas sonatas) ou instrumental (Haydn escreveu sessenta e oito quartetos de cordas). Por esta razão, é comum se encontrar o número ordinal, aquele que diz quantas músicas daquela mesma formação instrumental ou instrumento o compositor escreveu (até então). O nome genérico do 53º dos quartetos de cordas de Haydn é o Quarteto de Cordas número 53.
A primeira obra ou composição musical que um compositor chama de música é seu opus 1 ou, abreviadamente, op. 1. A segunda é seu opus 2. Em latim, opus significa obra. Portanto, o número do opus diz a cronologia das composições. O opus 1 pode ser uma música para piano solo; o 2, uma canção; o 3, uma sinfonia. Independe. A citada e impressionante Sonata, de Berg, é seu Opus 1 (um ótimo alerta para compositores, aliás).
Quando um opus tem subnúmero, é como se este opus fosse uma pasta sanfonada, e os números subsequentes fossem as subdivisões da pasta. Isso acontece porque há vezes em que o compositor considera que algumas músicas pertencem a um mesmo conjunto.
É um caso o opus 2 de Beethoven, que escreveu duas sonatas para piano que foram, por ele mesmo, agrupadas neste número, o opus 2. Para resolver isso é que existe o subnúmero de opus, que é sequencial; assim, o opus 2 é constituído de duas sonatas, a número 1 e a número 2.
Algumas músicas têm subtítulo dado pelo próprio compositor, como é o caso da Sexta Sinfonia, do Beethoven, chamada por ele mesmo do subtítulo Sinfonia Pastoral, ou: Lembranças da vida no campo. Disso que seu nome completo seja Sinfonia 6 em Fá Maior, opus 56, Sinfonia Pastoral, ou lembranças da vida no campo.
Músicas muito famosas recebem apelidos, seja por invocarem algumas ideias extra-musicais, seja para facilitar o comércio de partituras da época de seu lançamento. A Sonata em Dó Sustenido Menor, opus 27, número 2, Quase uma Fantasia [subtítulo], é muito mais conhecida por seu apelido: Sonata ao Luar (em inglês, ela ficou conhecida como Moonlight Sonata).
Teve épocas em que os compositores não marcavam as suas músicas com número sequencial, o opus; outros não foram consistentes nessa marcação, seja porque – crê-se – se confundiam, seja porque uma mesma música acabava sendo vendida para mais de uma editora, e cada uma a numerava por si. Bach, que compôs mil e tantas músicas, não usou número de opus; Mozart o usou, mas de forma inconsistente; é o mesmo caso de Schubert. Para casos como esses, distingue-se a música pela sigla do nome do catálogo ou da pessoa que a catalogou e por um número sequencial.
As composições de Bach vêm distinguidas pela sigla BWV, do alemão Bach-Werke-Verzeichnis, que significa simplesmente Catálogo de Obras de Bach. A linda Suíte número 1 em Sol Maior para Violoncelo do gênio alemão é o BWV 1007. (Mais detalhes, em inglês, na Wikipédia.)
As obras de Mozart foram catalogadas pelo musicólogo austríaco Ludwig von Köchel. De seu sobrenome vem a sigla que acompanha e distingue as músicas do filho de Leopold Mozart. As músicas de Mozart são numeradas por K, de Köchel, ou por KV, de Köchel-Verzeichnis, Catálogo Köchel em alemão. O Requiem em Ré Menor é o K. (ou KV) 626.
As obras de Schubert tinham número de opus, mas, por razões diversas, necessitaram de classificação posterior. Disso se incumbiu o musicólogo austríaco Otto Erich Deutsch; de seu sobrenome vem a sigla que acompanha as músicas de Schubert. O famoso Quinteto para Piano e Cordas em Lá Maior é o D. 667.
Até agora estivemos falando de músicas inteiras. Em música, porém, existe o equivalente ao que na literatura é o capítulo. (E vice-versa: Milan Kundera, no muito recomendado livro A arte do romance, afirma que os capítulos são os movimentos, ou seja, pequenas partes completas dentro do todo.). De um jeito aproximado, podemos dizer que o andamento é como a música anda. Existe Andante, Moderato (Moderado), Allegro (Alegre) etc.
Para se referir com exatidão ao movimento da Nona que tem o coro, diz-se: Sinfonia número 9 em Ré Menor, opus 125, IV. Finale. E para se referir inequivocamente ao Glória do Réquiem, de Mozart, por exemplo, diz-se: Requiem em Ré Menor é K. 626: Glória.
Outro andamento com nome famoso é a Sinfonia número 6 em Fá Maior, opus 68: V. Allegretto: A canção do Pastor – Sentimentos gratos e alegres após a tempestade.
Não é comum, mas há movimentos que ficam conhecidos por nomes próprios. É o caso do quarto movimento da citada Sinfonia n. 9, conhecido como “Ode à Alegria”, que é o título do poema de autoria de Schiller que é cantado na sinfonia.
No caso de óperas e semelhantes, há duas outras classificações necessárias.
Do latim acto, que significa “ação”. Óperas e textos dramáticos têm grandes reuniões de partes, chamadas de atos. São as grandes ações, grandes unidades que se caracterizam pelo fechamento de uma parte do enredo. Não são um fechamento total, o que só acontece com a conclusão da ópera, mas sim um fechamento parcial.
O título completo de uma ópera diz a quantidade de atos que a compõem. Assim, Yerma, de Villa-Lobos, cuja primeira edição da partitura foi feita pela Presto, tem três atos. Donde, Yerma, ópera em 3 atos, de Heitor Villa-Lobos.
E para se referir ao primeiro ato dela, diz-se: Yerma: Ato 1.
Os atos são subdivididos em cenas, como se tem cenas em filmes, novelas ou peças de teatro.
Yerma: ato 1, cena 2
É bastante comum que se refira a um trecho da cena pelos personagens que cantam nela.
Yerma: Ato 1, cena 1, Yerma y Juan
A estrutura típica de um título é a seguinte:
[Tipo de Composição] em [tonalidade], [número do tipo da composição], [número de opus], [subnúmero do opus], [Subtítulo e/ou Apelido], [sigla do catálogo ou do catalogador] [número de catálogo]
Quando se refere a um movimento:
[Tipo de Composição] em [tonalidade], [número do tipo da composição], [número de opus], [subnúmero do opus], [Subtítulo e/ou Apelido], [sigla do catálogo ou do catalogador] [número de catálogo]: [número do movimento], [andamento inicial ou principal do movimento], [título ou apelido do movimento]
Quando é uma ópera, a estrutura costuma variar para o seguinte:
[Título da Composição], [número de atos], [número de opus], [subnúmero do opus], [Subtítulo e/ou Apelido], [sigla do catálogo ou do catalogador] [número de catálogo]
E quando se refere a uma cena de ópera:
[Título da Composição], [número de atos], [número de opus], [subnúmero do opus], [Subtítulo e/ou Apelido], [sigla do catálogo ou do catalogador] [número de catálogo]: [número do ato], [número da cena]: [nome da cena ou, quando a cena não tem nome, os personagens que cantam nela]
Em ordem crescente de complexidade.
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