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Notações e cartesianismo

Flávio Silva

Resumo

As notações musicais foram criadas em ambientes eruditos que praticavam a escrita literária e sistemas teóricos e especulativos objetivados em manuscritos. As extra europeias cuidaram de sugerir movimentos melódicos mediante signos alinhados e paralelos a textos literários; elas serviam sobretudo como lembretes para memorizar monodias de vastos repertórios sacros. Na Europa, a ideia de que sons mais agudos e mais graves podem ser representados por signos descontínuos e ondulados acompanhando o texto literário levou aos neumas. Para tornar sua leitura mais segura, algum monge teve a ideia de traçar sobre essas ondulações uma linha horizontal identificada com a nota fá. Do momento que uma linha é traçada pode-se traçar outra, paralela à primeira, chamada de dó, o que aumenta a precisão da leitura, e assim sucessivamente. A diversidade de signos inscritos em pautas foi unificada pelo desenvolvimento da impressão musical. A notação pautada europeia marca a fronteira, construída durante séculos, entre músicas eruditas nesse continente e nos demais. Sua montagem prefigura o método cartesiano ao dividir a dificuldade de grafar os dois parâmetros básicos do som, cuidando antes das alturas, depois das durações. Essa notação cria um objeto bem separado do observador: a escrita objetiva o som e possibilita a construção de obras traduzindo um pensamento individual, passível de críticas e de aperfeiçoamentos, prefigurando o aparecimento da ciência moderna. As coordenadas cartesianas podem ser vistas como uma transliteração da pauta: as abcissas representam as alturas e as ordenadas as durações. A partir do sec. XIII europeu, a notação pautada possibilitou um tipo específico de polifonia que conduziu à harmonia tonal e à supressão dos vários modos eclesiásticos. É permitido supor que a visão de signos dispostos entre e sobre linhas paralelas tenha contribuído para definir a escala temperada. Cabe lembrar que a primeira obra de Descartes é um Compendium musicae.

 

Não sou especialista em paleografia musical. As ideias a seguir expostas resultam de confluências de estranhezas envolvendo: − as diferenças entre as músicas eruditas na Europa e em outras partes do mundo; − as diferenças entre as músicas eruditas consolidadas na Europa a partir da Renascença e as outras músicas lá praticadas; − as diferenças entre músicas eruditas e folclórico/populares em outras partes do mundo; − a intervenção de um músico marroquino em ciclo realizado em Paris, por volta de 1970, sobre as origens do flamenco na música do Irã. Esse músico criticou a exaltação, por compositores europeus, da improvisa-ção na música árabe: “Nós estamos improvisando a mesma música há quinhentos anos, enquanto a de vo-cês, nesse mesmo período, experimentou enormes mudanças.” − o tipo de desenvolvimento social, econômico, tecnológico e, mais geralmente, cultural que a Europa foi a única região do mundo a experimentar Creio ver no sistema de notação musical pautada desenvolvido na Europa medieval uma raiz dessas diferenças e um germe do cartesianismo.

Obs.: as fontes das ilustrações são indicadas entre parênteses e remetem à bibliografia.

 

Notações extra-europeias

O enorme esforço de abstração exigido pela invenção da escrita resultou de questões práticas e objetivas: ao que tudo indica, foram exigências de viajantes comerciando em diferentes regiões que suscitaram necessidade de fixar informações em signos e em suportes variáveis de acordo com as diferentes culturas e objetivos visados. Signos indicando quantidades podem ter sido concebidos antes da grafia de palavras; os chamados números arábicos foram inventados na Índia. A escrita de narrativas épicas justificando crenças político-religiosas parece ter sido posterior, e precedeu a de textos profanos de caráter ficcional. Notações musicais só aparecem em civilizações onde a escrita literária já adquirira grande desenvolvimento e que conheciam sistemas teóricos, inclusive musicais, formalmente constituídos em textos escritos. Elas são, portanto, ligados a músicas cultas, e não a práticas musicais de populações iletradas, cujos sistemas musicais não conheciam a formalização possibilitada pela escrita, embora tivessem pelo menos uma teoria implícita. As diferenças entre música erudita, folclórica e popular não são invenção de elites europeias ou europeizadas; elas aparecem em outras culturas. O termo japonês gagaku é composto de dois ideogramas: ga significa refinado, nobre, justo, e gaku designa música; gagaku é a música refinada, nobre e culta, por oposi-ção à música folclórica, considerada como vulgar e primitiva (TAMBA: 82). No Tibet, a música “comporta três aspectos: a música folclórica – tal como a encontramos na vida corrente do povo tibetano; uma arte musical − cultivada sobretudo por menestréis profissionais; o canto sagrado e a música instrumental da liturgia budista e de outros ritos − centrada em volta dos mosteiros” (CROSSLEY-HOLLAND). Na China, “a expressão musical apela a qualidades de apreciação que a distinguem das artes ordinárias, e fala-se de uma ‘música virtuosa’, deyin, que não pode ser percebida nem realizada pelas pessoas comuns: é necessário uma educação para amar e compreender a música [...]. A partir dessa noção de música elevada, yayue, reflexo da ordem universal, é operada uma diferenciação com a música ‘vulgar’, suyue [...]. [...] era perigoso realizar uma música elevada perante quem não tinha a virtude necessária para ouvi-la” (RAULT: 77). “Nas principais regiões islâmicas, havia uma ampla distinção entre a cultura da corte e a cultura popular. A corte era o lar da poesia escrita, da música e da dança clássicas [...]. Entre o povo, as artes mantiveram uma tradição contínua, raramente perturbada pelas práticas volúveis das elites.” (GOODY: 2011, p.144) As concepções ligando determinados modos ou intervalos musicais, melodias e mesmo instrumentos a determinados sentimentos, horas do dia, estações do ano, deuses, status social são comuns à maioria dessas culturas e estavam presentes na Grécia antiga, onde Platão criticava os emolientes modos cromáticos e exaltava os diatônicos. O prof. Tran Van Khê ensinava que na Índia a paixão era expressa pelos modos cromáticos e a serenidade pelos diatônicos. A existência de corpus respeitáveis de textos religiosos, que também deviam ser cantados e exigiam grande esforço de memorização, pode ou deve ter sugerido, por analogia ao texto literário, a conveniência ou necessidade de algum tipo de fixação gráfica de entonações ou de melodias. Assim como textos sacros costumavam ser ditados por divindades, também as melodias com que eles eram entoados tinham essa origem; ambos, portanto, deveriam ser preservados da forma como foram recebidos. As notações dessas melodias aparecem em geral sob forma de signos descontínuos inscritos paralelamente aos textos de extensos repertórios sacros, escritos vertical ou horizontalmente, e indicam apenas alturas aproximadas; elas ajudam a lembrar movimentos melódicos entonados ou cantados e são lembretes ou aide-mémoires sem preocupação maior com precisão. As notações puramente instrumentais, mediante tablaturas, parecem surgir apenas em culturas que desenvolveram concepções menos dependentes do sagrado. Os exemplos a seguir são dados sem maior preocupação cronológica, visando sobretudo mostrar grafias musicais desenvolvidas em vários países ou regiões. As primeiras escritas teriam sido registradas na Suméria/Iraque, há cerca de 4000 anos; é razoável que 2000 anos depois tenham lá surgido inscrições cuneiformes que poderiam indicar notas musicais (ex. 1).

Ex. 1: Mesopotâmia: possível notação do sec. IX a.c., segundo Galpin (MACHABEY p.11)

 

Desde 1500 a.c. há salmodias notadas com acentos, cifras e neumas na Índia. Na China, onde o confucionismo exibia uma faceta que pode ser vista como profana ou laica, há inscrições mencionando escalas e transposições desde 433 a.c.. Composições musicais instrumentais surgem em mais de 3300 tablaturas na dinastia Ming (1360-1644).

Os casos de tablaturas parecem muito mais ligados a músicas profanas do que a músicas sacras; eles podem ser mais precisos na informação das alturas, em função de afinações instrumentais. Na Ásia, apenas a Coréia teria conhecido um sistema de notação definindo durações, organizado pelo rei Sejong (1397-1451), que também teria melhor ordenado a escrita literária e inventado tipos móveis para impressão, 215 anos antes de Guttenberg; Jack Goody refere a impressão de um texto em um milhão de exemplares por esse processo coreano, durante nossa Idade Média. Os dois exemplos abaixo são de tablaturas para cítara na Coréia (ex. 2) e no Japão (ex. 3); a tablatura japonesa para biwa é bem anterior à coreana.

Ex. 2: Coréia – tablatura de cítara (JASCHINSKI, p. 279)

 

Ex. 3: Japão − tablatura biwa, 747 d.c. (TAMBA, p.74)

 

Na tablatura do ex. 3, os ideogramas alinhados verticalmente indicam alturas com bastante precisão, mas o Japão também conheceu notações onduladas indicando movimentações vocais na música sacra shomyo (ex. 4), necessariamente mais imprecisas do que as instrumentais; ambas são lidas da direita para a esquerda.

Ex. 4: Japão 1240-1321 notação vocal para shomyo (JASCHINSKI, p. 271)

 

Outros exemplos de notações onduladas são encontrados no Tibet. Assim como no caso japonês, a extensão das linhas onduladas talvez corresponda à duração da emissão vocal ou do sopro, seja no caso da notação instrumental, onde algumas linhas terminam em forma de pavilhão (ex. 5), seja no caso da música vocal (ex. 6). Esses exemplos tibetanos são lidos da esquerda para a direita.

Ex. 5: Tibet – notação instrumental (JASCHINSKI, p. 281)

Ex. 6: Tibet − notação vocal (JASCHINSKI, p. 280)

 

Arrolei a notação do ex. 7, da Grécia do sec. I, entre as extra-europeias. A primeira linha sobre o texto indica alturas, e a segunda as durações. Não referi outras notações praticadas na Grécia antiga e que só se ocupam de alturas, a meu conhecimento.

Ex. 7: Grécia, sec. I (MACHABEY, p. 18)

 

As únicas notações encontradas designadas como não-europeias e que informam alturas e durações com boa margem de precisão são as dos exemplos 2 para música profana e 7 para música sacra.

As notações horizontal ou verticalmente alinhadas, paralelas a textos sacros, lidas da direita para a esquerda ou vice-versa e que utilizam signos descontínuos são bem mais numerosas do que as onduladas. O predomínio parece ser o de signos de entonação indicando movimentações da voz e tendo muito mais função de lembretes do que de informação exata de alturas, como nos três exemplos a seguir:

Ex. 8: Al Kindi (JASCHINSKI, p. 230)

Ex. 9: Cântico dos Cânticos, Código de Aleppo, ca. 100 d.c.

Ex. 10: Etiópia (JASCHINSKI, p. 86)

 

Haveria alguma ligação entre os exemplos 11 e 12? Processos musicais análogos ocorrem nas mais diferentes regiões sem que haja qualquer indício de influências mútuas. Em meados do sec. XVIII, o jesuíta francês Amyot publicou um tratado sobre música chinesa em mais de 150 páginas, com informações sobre sua história, teorias, teóricos e práticas, além de detalhadas ilustrações de instrumentos musicais. Ele também referiu uma possível origem indiana para as teorias de Pitágoras e diferenças entre concepções chinesas e as de Rameau. Observe-se que no ex. 11 os dedos trazem menos informações do que no ex. 12.

Ex. 11: mão harmônica chinesa, sec. XVIII (AMYOT, p. sem número)

Ex. 12: mão harmônica de Guido d’Arezzo (GOLDRON, p. 38)

 

 

Notações neumáticas europeias

Nos exemplos 8 a 10, as notações aparecem horizontal e paralelamente aos textos a que servem e utilizam signos descontínuos, diferentemente do que ocorre nos exemplos 5 a 7, em linhas onduladas contínuas. Como antes sugerido, o primeiro caso é o mais comum nas notações extra europeias ligadas a cânticos sacros, dos quais dão uma noção aproximada da movimentação vocal. Como única exceção nos casos de textos sacros, temos a notação grega do ex. 7, que também se ocupa de durações, mas em duas linhas paralelas à do texto, num processo de racionalização que é, de outra forma, refletido na notação coreana para música profana.

As notações em linhas onduladas, contínuas ou descontínuas, partem de uma ideia de representação espacial da movimentação sonora, com os sons graves e agudos aparecem grafados em posições diferentes. Na Ásia, só encontrei notações onduladas em linhas contínuas, diferentemente das notações onduladas na Europa, em linhas descontínuas. Creio que nenhuma notação extra europeia, horizontal, vertical ou ondulada, sobre textos sacros ou em tablaturas instrumentais, em signos contínuos ou descontínuos, possibilitou desenvolvimentos ou aperfeiçoamentos ou modificações como os que puderam ser propiciados pelos neumas em linhas onduladas descontínuas praticados na Europa sobre textos sacros a partir do sec. IX.

Os neumas eram signos que representavam sons ou agrupamentos de sons. O ex. 13 mostra neumas isolados, não inseridos numa melodia.

Ex. 13: signos neumáticos de Saint-Gall (BEGUERMONT, p. 121)

 

A Europa conheceu vários sistemas neumáticos, que aparecem inteiramente constituídos por volta do sec. IX, sem que deles se conheça experimentos prévios. É certo que essa constituição deve ter passado por muitas tentativas, possivelmente elaboradas a partir de acentos bizantinos. A febre neumática se alastrou em diferentes grafias pelos mais diversos centros musicais europeus. No ex. 14, de notações sobretudo francesas, pode-se notar uma quase horizontalidade nos casos de Chartres e Mont-Renaud, contrastando com os voos em Saint-Yrieix e Bénévent. Merece destaque o exemplo de Montpellier, onde o texto sacro é encimado por uma notação alfabética horizontal e por uma notação neumática ondulada. Diferentemente das notações em linhas asiáticas onduladas e contínuas dos ex. 4 a 6, foram esses signos ondulados e descontínuos acrescentados a textos sacros que forneceram a base para a revolução notacional que modificou radicalmente a maneira de fazer música na Europa.

Ex. 14: notações neumáticas sobre um mesmo texto sacro (BEGUERMONT, p. 108-109)

 

 

Notações pautadas

Os tratados Musica enchiriadis e Scolica enchiriadis, do sec. IX, trazem proposta de notação musical radicalmente diferente da neumática, onde os espaços entre linhas paralelas são atribuídos às diferentes notas de um sistema tetracordal, cada uma com sua própria representação, ou seja: a cada espaço é atribuído o que depois seria chamado de clave. Nesse sistema, as sílabas do texto sacro a ser cantado são grafadas nos espaços respectivos, de acordo com sua altura. O mais importante, porém, é que esse sistema abre, ao que tudo indica pela primeira vez na história da música, a possibilidade da representação de duas e, portanto, mais melodias num mesmo sistema de linhas paralelas. O exemplo mais emblemático dessa notação parece ser o Rex Coeli domine, que Jacques Chailley designou como o equivalente aos serments de Strasbourg para a música europeia e que professor campineiro Yulo Brandão via como a origem dessa música. O ex. 15 dá o primeiro verso desse organum, com a grafia das palavras atualizada mas trazendo os signos/claves originais atribuídos a cada espaço; os dois versos são dados em transcrição no ex. 16, que indica a vox principalis e a vox organalis.

Ex. 15: Rex coeli domine (primeiro verso)

Ex. 16: Rex coeli domine (os dois versos)

 

Práticas tradicionais polifônicas ou heterofônicas, instrumentais e/ou vocais, são mais do que vezeiras em todas as partes do mundo, em músicas ligadas ou não a sistemas teóricos formalmente constituídos. É mais do que possível que tais práticas também ocorressem a partir da realização vocal e/ou instrumental de melodias notadas, em culturas que conheceram notações musicais; é certo que elas ocorreram na Europa medieval. Pretende-se que a origem das notações polifônicas europeias tenha raiz nessas práticas. Ora, em nenhuma outra parte do mundo tais práticas levaram a notações polifônicas. Não creio viável que a polifonia trazida pelos dois exemplos acima, com a regularidade de seus movimentos oblíquos, paralelos e opostos, possa ser entendida como uma transcrição de polifonias orais, vocais e/ou instrumentais, que certamente existiam na Europa, mesmo que essas polifonias também se servissem de movimentos oblíquos, paralelos e opostos.

O segundo verso desse organum, Te humiles famili, é particularmente representativo do que sugiro. Começando da mesma forma que o primeiro verso, a vox organalis usa o intervalo de terça para fazer um notável malabarismo melódico que evita o triton na sílaba “li” e conduz ao uníssono na sílaba “mo”; essa utilização da terça nada tem a ver com a encontrada na silaba “li” do primeiro verso. E é após o uníssono em “mo” que pela primeira vez aparece no organum o intervalo de quinta para depois tudo continuar como dantes, em quartas e em uníssonos, como no final do primeiro verso. Vejo nessa notação pioneira um sistema eminentemente teórico e complexo, composicionalmente organizado por uma mão criadora e mais acessível a doutos musicus do que a um simples cantor. Mais, ainda: nela, vejo um primeiro exemplo de objeto musical bem separado do observador, que passa a exercer um controle visual sobre o que escreve, em vez de limitar-se a transcrever o que pensa. É em função desse controle visual sobre o texto musical objetivado que o observador pode corrigir o que seria uma continuação natural na linha melódica da voz organal e que levaria inevitavelmente ao intervalo diabólico.

Vejo nessa notação, porém, muito mais uma profecia do que poderia vir a ser uma notação musical objetiva do que o motor da construção dessa objetividade. A notação que vai realmente criar um objeto musical bem separado do observador será construída passo a passo, não a partir de grandes edifícios teóricos, mas de um artifício cuja simplicidade inicial não permitiria prenunciar a fantástica revolução que possibilitaria. Lembro, agora, meu professor Jacques Chailley para referir a notação mostrado nos ex. 17 e 18 como a que lança as bases do que viria a ser a música europeia – e não só a erudita. Foi a partir da notação neumática ondulada em signos descontínuos sobre texto sacro que algum monge em algum mosteiro – em Saint Gall? − teve a ideia de sobrepor a essa ondulação uma linha horizontal que receberia o nome e o signo de uma nota – a nota fá, no caso −, de forma tal que os signos indicando sons coincidentes com a essa linha horizontal corresponderiam à nota fá e os signos acima e abaixo dessa linha corresponderiam, respectivamente, aos sons acima e abaixo do fá.

Ex. 17: neumas sobre uma linha (JASCHINSKI, p. 94)

Ex. 18: Nevers, sec. XII (p. 51)

Ex. 19: Bruxelas, 1398 (BEGUERMONT, p. 139)

 

A partir do traçado de uma linha horizontal sobre neumas ondulados e descontínuos, fica inteiramente lógico e consequente traçar outra linha, que será atribuída à nota dó, o que contribuirá para tornar mais preciso o entendimento da altura dos neumas acima da linha do fá (ex. 19 e 20). Mais linhas tornarão ainda mais localizáveis as emissões vocais dos diferentes neumas, sem o acréscimo de outras claves.

A expansão dessa invenção não modificou, alterou ou eliminou, de saída, os vários sistemas neumáticos em vigor na Europa, que continuaram a existir e a se modificar, nem determinou evoluções lineares, cronologicamente ordenadas. Assim, no ex. 19, de 1398, os signos neumáticos não aparentam haver sofrido grande modificação pela superposição das quatro linhas com suas duas claves , mas o ex. 20, de 1200, já aponta para uma tendência cada vez mais explícita, de transformar os arabescos neumáticos em punctus bem determinados, tendência que se encontra bem mais afirmada no ex. 21.

Ex. 20: quatro linhas e duas claves em 1200 (GOLDRON, p. 164)

Ex. 21, Limoges: quatro linhas e uma clave, entre 1304-1342 (BEGUERMONT, p. 175)

 

No ex. 15 era atribuída uma nota – uma clave − a cada entrelinha; os exemplos 19 e 20 trazem apenas duas claves que ordenam a distribuição das alturas nas quatro linhas e nas três entrelinhas, mas essa dualidade é cancelada no ex. 21, com apenas uma clave: a prática da leitura tornou a segunda clave supérflua, inútil – bastava uma para sinalizar as alturas relativas de todos os sons representados pelos signos dispostos sobre as linhas paralelas e nos espaços entre elas compreendidos.

Se o compositor dos ex. 15 e 16 podia, já no sec. IX, superpor duas linhas melódicas para serem cantadas simultaneamente, com seus movimentos oblíquos, paralelos e contrários, o mesmo não ocorreu com os que, posteriormente, tateavam um sistema para clarificar a grafia neumática superpondo aos neumas uma, depois duas e depois três e mais linhas paralelas. Só quando essas tentativas alcançaram uma relativa precisão, no que concerne à notação de alturas e de durações, é que foi possível notar duas e mais melodias numa mesma pauta (ex. 22) e depois, em pautas diferentes (ex. 23 e 24).

Ex. 22: Perotin, Alleluia nativitas, sec. XII

Ex. 23: Moteto a três vozes, sec. XIII. As superiores ocupam as duas colunas; o tenor aparece ao pé da página. (LEMOS, p. 168)

Ex. 24: partitura de Pierre de la Rue impressa por Petrucci (internet)

 

Os signos pautados passaram por uma gradual e constante simplificação e homogeneização relativas e acabam incorporando procedimentos já desenvolvidos na notação neumática tradicional, mediante os quais era possível aliar a notação das alturas à das durações. Essas transformações não ocorreram de forma simétrica ou linear em toda a Europa; notações neumáticas sem a superposição de uma ou mais linhas continuaram a ser utilizadas até as vésperas da Renascença. As diferentes notações, porém, acabaram confluindo para representações comuns que serão tornadas obrigatórias com o desenvolvimento dos processos de impressão de partituras, adaptados à edição musical a partir da invenção de Guttenberg. Tanto a edição de livros como a de partituras passou a exigir mercados cada vez mais amplos para assegurar menores custos e tiragens maiores a seus produtos, facilitando sua aquisição por classes médias emergentes. É essa industrialização que operará uma simplificação e homogeneização final nos signos notacionais, ampliando, inclusive suas possibilidades de representação.

A meu conhecimento, a Europa só passou a usar tablaturas após uma crescente autonomia da música instrumental com relação à vocal, relacionada a uma vida cada vez mais secularizada. As tablaturas para diversos instrumentos (ex. 25 e 26) tiveram, porém, uma vida relativamente breve: elas foram eliminadas pela expansão da partitura impressa.

Ex. 25: tablatura para órgão (JASCHINSKI, p. 191)

Ex. 26: tablatura para teclado (JASCHINSKI, p. 188)

 

Conclusões, ou ilações

Retomo, agora, ideias já esboçadas para nelas ver uma outra objetivação: a da definição de alturas do som, não no sentido de sua grafia, mas da própria entonação, vocal ou instrumental, do som grafado. Tudo parece ter se passado como se aqueles signos cada vez mais claramente identificados e tão simetricamente dispostos em linhas paralelas indicassem, também, que suas entonações poderiam ou deveriam corresponder à clareza com que passaram a ser grafados. As infindáveis discussões sobre afinações pitagóricas, zarlinianas e outras mais foram dando lugar à ideia segundo a qual era muito mais razoável ter uma escala de sons ignorando diferenças entre sustenidos e bemóis, isto é: que fosse temperada. Evitava-se, assim, a complexidade exigida, em especial, pela fabricação de instrumentos de teclado, com teclas diferentes para esses cromatismos. O temperamento, porém, é uma convenção tornada essencial para a música europeia, sem o qual o sistema tonal é impensável, e que vale para a utilização tradicional de instrumentos de sons fixos; os cantores naturalmente cantarão notas mais para o agudo ou mais para o grave de acordo com a movimentação melódica, e o mesmo farão os cordistas.

Sem o temperamento, não teríamos o sistema tonal, de cuja formulação Descartes pode ser visto como um dos precursores, pelo status que conferiu ao acorde perfeito maior: “Pour la première fois [no Traité de l’homme], l’accord parfait s’y trouve légitimer par la science physique. Descartes ouvre ainsi la théorie à des perspectives nouvelles: l’acord parfait majeur est perçu comme une unité, et est justifié par des données acoustiques. [...] Descartes est le premier à donner une légitimation naturelle à l’accord parfait majeur, lequel fonde notre système tonal. Il n’a hélas pas cru bon d’exploiter davantage cette intuition, comme le fera Ra-meau plus tard” (WYMEERSCH, 128, 130).

A racionalização na entonação das alturas – e não apenas na sua grafia − teve como consequência uma drástica redução na variedade de instrumentos musicais: as numerosas famílias de flautas, alaúdes, oboés etc., largamente praticadas na Idade Média e na Renascença, foram reduzidas a um ou dois modelos, quando não foram esquecidas. As entonações ‘imprecisas’ perderam espaço, ou passaram a não ser toleradas, o que levou a modificações na fatura instrumental, possibilitadas por aperfeiçoamentos tecnológicos tanto na fabricação dos metais como no aperfeiçoamento de chaves e na criação de válvulas para os sopros. As cordas, em particular, ficaram reduzidas ao quarteto cuja artesania alcançou patamares insuspeitados. As modificações que levaram do cravo ao pianoforte corresponderam às exigências de maior volume musical e de maior flexibilidade entre os ff e os pp. A essa diminuição na quantidade dos sons e na variedade dos instrumentos musicais correspondeu uma intensificação na concepção de procedimentos formais que levou à forma sonata e a uma nova profundidade para o pensamento musical, num movimento análogo ao verificável no pensamento filosófico e no científico.

Se as partes das suítes tinham nomes de danças, com a sonata e a sinfonia essas partes passaram a ser designadas por termos abstratos − allegro, adagio, vivace. A formação dos conjuntos musicais ficou muito mais definida, com sua associação em conjuntos bem estabelecidos – já foram assinalados paralelismos entre a criação das orquestras e a de fábricas. Todas essas modificações na prática e na concepção de como fazer música, operadas num accelerando molto a partir da Renascença e que motivaram o comentário do músico marroquino citado no início desse texto, podem ser vistas, em última análise, como tributárias daquele gesto solitário do obscuro monge medieval que inventou traçar uma linha para melhor identificar os sons com que deveriam ser cantadas as melodias sacras. Pode-se estimar que essa procura de exatidão, num material tão abstrato como o som, está na origem do desenvolvimento de um racionalismo inédito na história da humanidade, ou é, talvez, uma primeira manifestação ‘concreta’ do desenvolvimento dessa nova racionalidade.

Surge, agora uma pergunta que alguns julgarão descabida, mas que faço, mesmo assim: qual a razão ou motivo pelo qual não ocorreu a nenhum escriba japonês ou tibetano traçar uma linha horizontal sobre suas notações onduladas em linhas contínuas, como fez nosso monge medieval?

Uma primeira resposta reside no fato de que essas notações eram onduladas em linhas contínuas e não poderiam dar origem a notações pautadas, como os neumas medievais notados em linhas descontínuas. Outra resposta possível e mais discutível pode ser encontrada na diferença entre concepções que entendem o universo como um contínuo indesmembrável, deificado; não caberia, portanto, atentar contra sua unidade essencial, inclusive no que se refere à unidade do som. Em oposição, temos as concepções que estabelecem clara fronteira entre o que é divino e o que emana de sua criação, de seu poder. No primeiro caso, temos os politeísmos, em que deuses, homens e natureza se misturam num contínuo indissociado; no segundo, as religiões abrâmicas, do deus único, inicialmente atrelado a um único povo, e depois anunciado para a humanidade em geral. Parece, mesmo, haver uma lógica segundo a qual os politeísmos só podem ser holísticos ou monistas, enquanto os monoteísmos são dualistas por conceberem seu deus como separado do que foi por ele criado. Observo, porém, que o pretenso deus único é diferente de uma religião para outra, e mesmo no interior de cada uma delas.

Algumas civilizações que conheceram a escrita elaboraram sistemas teóricos e concepções musicais próprias às camadas superiores de suas sociedades – o letramento era privilégio dessas camadas – mas nem todas elaboraram sistemas de notação para essas músicas ‘elevadas’. As concepções musicais, da China à Índia, ao Japão e à Grécia, estabeleciam ligações entre o comportamento do universo e as realizações musicais, associando, inclusive, notas musicais a planetas e a animais, e desenvolveram concepções segundo as quais músicas licenciosas poderiam levar à ruína da cidade e de impérios. Era corrente a atribuição de qualidades próprias aos diferentes modos, escalas e/ou intervalos, que expressavam tanto virtudes como depravações, bem como a assimilação de certas práticas musicais a determinadas divindades, maléficas ou benéficas. Judaísmo e islamismo, que eram religiões abrâmicas, rejeitaram a representação pictórica ou escultórica da figura humana, de animais e de plantas, na medida em que essa representação significaria uma tentativa humana de assemelhar-se à divindade, ou de imitá-la. As uniões deificadas entre as estruturas musicais e as do universo não podiam ter grande acolhida na Europa medieval cristã, muito embora resquícios desse pensamento tenham a ela chegado, através de heranças de teorias gregas. Esses resquícios não chegaram a ser prevalentes por muito tempo: se o criado está separado do criador, não há como imaginar que entoar tal melodia ou modo possa ameaçar o equilíbrio da natureza.

Resumindo: a evolução notacional trazida pela adição de uma e mais linhas horizontais e paralelas às ondulações neumáticas descontínuas exerceu-se em vários sentidos:

• progressiva unificação não linear ou concomitante nas representações neumáticas, tendendo a assegurar uma localização claramente definida e individualizada dos signos musicais nas linhas e espaços da pauta; o desenvolvimento da impressão musical sepultará as diversidades ainda existentes;

• maior definição na emissão das alturas, como se à visão de punctus bem definidos em espaços claramente delimitados devessem corresponder sons de frequência claramente definida;

• maior precisão na definição das durações, por um processo análogo ao acima descrito;

• maior complexidade na escrita a várias vozes, pela relativa simplificação e diversificação dos signos notacionais;

• redução da quantidade de modos, progressivamente limitados a dois;

• entronização da figura do compositor, criador de melodias ou de polifonias, que passa a ter nome;

• a partir do desenvolvimento da polifonia escrita, progressiva definição do que viria a ser o sistema tonal;

• eliminação das tablaturas;

• abandono das várias afinações, substituídas pelo temperamento, também de certa forma prefigurado pelo esquematismo da pauta e pela regularidade dos signos nela inscritos;

• enfim, constituição de uma linguagem musical inteiramente nova no panorama da música mundial.

Num período mais avançado, e em função de desenvolvimentos tecnológicos, ocorre uma progressiva redução na variedade dos instrumentos musicais e uma maior especialização na sua fatura, artesanal ou industrial, buscando a definição mais precisa dos sons emitidos. As formas e gêneros musicais tendem a se concentrar em uns poucos modelos; a partir do sec. XVIII nota-se uma sistemática redução de nomes de danças nas designações de movimentos de suítes, que passam a ter cada vez mais nomes abstratos ou genéricos. Pode-se ver nessas reduções de signos, de alturas, de durações, de gêneros uma contração na extensão e uma expansão na profundidade que acompanha as mutações no pensamento científico e no filosófico – ou que as prenuncia?

 

Cartesianismos

As referências de J. Chailley e de Y. Brandão ao Rex coeli domine ganham todo sentido com relação ao verso no ex. 17. O malabarismo da voz organal para evitar o tritom na sílaba “li” só foi possível a partir da negação teórica desse intervalo e da visualização da escrita das duas vozes sobrepostas que criou um “objeto bem separado do observador”, graças ao qual o compositor – e já é possível assim designar o autor desse organum – foi confrontado com a necessidade de evitar o intervalo diabólico modificando o que seria a condução natural daquela voz. É possível, portanto, ver nesse organum a pedra angular do que viria a ser a música erudita (e mais tarde a popular) na Europa, e que a tornaria diferente da praticada em todos os outros continentes. Se, como antes sugerido, a grafia adotada nos dois Enchiriadis não prosperou, com suas inúmeras linhas e claves e com o texto cantável escrito nas entrelinhas, nem por isso ela deixou de apontar para um futuro que seria realizado, linha a linha, nota a nota, pela gradual construção de um novo sistema objetivo de representação dos sons, onde o pensamento criador podia, cada vez mais, fazer valer seus direitos e propósitos. É a partir dessa objetivação que começam a surgir os nomes dos primeiros compositores europeus, antes dos fantásticos arquitetos de catedrais.

Desde Boecio, a teoria tradicional atribuía uma diferença entre o musicus, aquele que conhece a essência da música, as suas leis, e o cantor, que seguia o instinto e o não o intelecto para fazer música. Não foram, porém, os grandes teóricos e sapientes musicus que asseguraram a revolução capital que deu à música erudita europeia a fisionomia que a distingue de todas as demais, e sim um simples e anônimo cantor que quis trazer maior clareza ao entendimento dos neumas e sobre eles traçou a linha pioneira.

A separação corpo/alma é fundamental para o cristianismo. Pode-se estimar que ela é essencial para separação cartesiana entre sujeito e objeto e para o desenvolvimento do pensamento científico, que demandaram, porém, a separação prévia entre o tempo divino/cosmológico e o tempo humano/natural. Esse tempo humanizado, afirmado já no sec. XII, levou a uma separação entre teologia e ciência; tornou-se possível trata-lo como grandeza mensurável, puramente formal (BOUREAU, p. 38). A nova maneira de entender o tempo também se reflete nas regularidades das horas do dia, nos desenvolvimentos de mecanismos de relojoaria e nos detalhamentos das medições nas durações dos sons.

Essas questões, da forma como colocadas, podem indicar uma espécie de cartesianismo avant la lettre presidindo a evolução do pensamento técnico-científico europeu, mas talvez seja mais razoável entender o cartesianismo como uma consequência ou uma formalização possível de toda uma experiência anterior. Elas também parecem indicar que um pensamento monista não favorece o desenvolvimento do pensamento científico.

Descartes não se ocupa de nenhuma das questões que abordo. Em sua época, inexistia o conhecimento de músicas extra-europeias, eruditas ou populares; o que se sabia de música grega eram excertos de especulações filosóficas e de teorias filtradas por pensadores posteriores, pagãos e cristãos.

Seu primeiro texto é um Compendium musicae, escrito aos 22 anos e só editado após sua morte. É esse texto que suscita as primeiras investidas teóricas do pensador, divididas com o amigo holandês Isaac Beeckman, a quem a obra foi dedicada, e que ele retomaria com Mersenne. O Compendiumreprend l’essentiel des connaissances musicales de l’honêtte homme de l’époque”. […]. Son intention, en rédigeant l’Abrégé de musique pour son ami, est de lui exposer le système traditionnel par sa méthode propre. Comme il l’affirme dans des écrits ultérieurs, ce qui l’intéressait alors, c’était de reconstruire le savoir par la seule logique de son esprit, en l’appuyant sur quelques fondements solides. [...] La musique est le premier domaine où Descartes exerce son esprit critique. [...] La dissonance n’et plus l’ombre face à la lumière, l’imparfait face au parfait, mais devient une donnée essentielle dans la dynamique musicale [...] syncopes e diminutions, qui peuvent engendrer des tritons et des fausses quintes, sont nécessaires pour faire avancer le discours musical vers um point central, et pour éveiller l’attention de l’auditeur” (WYMEERSCH, p. 9/100/120).

Uma das regras do método cartesiano consiste em dividir uma dificuldade em tantas partes quantas forem necessárias para resolvê-la. A linha sobre neumas ondulados constitui uma primeira tentativa de melhor resolver a definição das alturas, para só depois cuidar das durações. Essa trajetória de certo modo refaz a de notações neumáticas que lograram atingir razoável precisão na definição de alturas e de durações, com a desvantagem, porém, de não possibilitar a escrita simultânea de duas e mais melodias com seus próprios ritmos; a notação do Rex coeli domine (ex. 16/17) parecia não possibilitar ritmos diferentes nas duas linhas melódicas.

Não posso deixar de referir uma outra possível fonte para a eclosão do pensamento do autor evocado. Vejo na partitura a várias linhas uma antecipação das coordenadas cartesianas, onde as abcissas representam as alturas e as ordenadas as durações. Como sugere B. van Wymeersch: ”la distance nous permet d’apprécier et de conceptualiser des théories ou des représentations mentales qui solvente n’existaient que dans l’inconscient de leur auteur, tout en étant la source constante de leur inspiration” (p. 11).

 

Coda

Em trecho anterior, referi o desenvolvimento de uma nova racionalidade ocorrido na Europa. Cabe, agora, uma explicitação: qualquer explicação ou tentativa de explicação da realidade, ou do que se entenda como tal, passa pelo estabelecimento de medidas, de critérios, e todas essas medidas ou critérios são razões ou racionalizações que podem ser de fundamentos ou origens diferentes. Assim, se quero deslocar um armário de um lugar para outro, posso verificar se esse deslocamento é possível apenas confrontando com o olhar o espaço ocupado pelo armário e o que receberia esse móvel. Em caso de dúvida, posso usar a palma da mão como medida: o palmo pode ser um razão suficiente para determinar se o deslocamento pretendido é possível. Mas se há alguma suspeita de que essa medida não seja adequada, posso usar um barbante ou um metro, caso seja adepto do sistema decimal, e chegarei a uma medida bem mais precisa, que também é racional, embora mais adequada. Supõe-se que não seja necessário usar um microscópio ou telescópio para saber se o armário poderá ou não caber num novo local; esse uso não seria racional. Ou seja: as diferentes explicações para um mesmo fato, com a sucessão dos dias e das noites, dependem de diferentes medidas ou razões que terão diferentes fundamentos. O mais natural é considerar que dias e noites se sucedem pelo movimento do sol em torno da terra. Essa naturalidade, porém, foi contrariada por outra racionalidade, o que coloca uma questão ética: há razões melhores do que outras razões?

 

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